“É preciso uma mudança de cultura nas empresas para parar com a normalização de comentários sexuais”, declara Júlia Alexim em entrevista a O DIA
Especialista em Direito Criminal, Júlia Alexim é sócia do escritório Stamato, Saboya e Rocha e advogada no projeto “Basta! Não irão nos calar!”, do Sindicato dos Bancários do Município do Rio de Janeiro. A iniciativa oferece assistência jurídica a mulheres vítimas de violência. Em entrevista a O DIA, Alexim trata do crime de assédio e os desdobramentos gerados por essa violência. “Um comentário como ‘você está bonita’ não é crime, mas aqueles constantes, que fazem com que a mulher mude a roupa e que tenha medo de encontrar um colega, são. Há mulheres com depressão e ansiedade, porque sabem que serão cercadas e criticadas apenas pelo fato de serem mulheres”.
O DIA: Como a violência doméstica afeta a vida profissional das mulheres?
Júlia: A violência afeta de várias formas. A mais gravosa e evidente é que as mulheres em relacionamentos abusivos ou violentos muitas vezes são impedidas de trabalhar — às vezes são perseguidas ou até mesmo deixam de sair de casa por terem alguma marca de agressão. Essas são as formas diretas que afetam a capacidade produtiva. Porém, vale lembrar que há ainda outras formas mais sutis: por exemplo, por meio de comentários ou piadinhas de colegas diminuindo a relevância do crime. Dessa maneira, o ambiente de trabalho se torna tão hostil quanto o doméstico.
O que as empresas devem fazer para garantir segurança às trabalhadoras?
É preciso uma mudança de cultura, no sentido de não se aceitar como normal que façam comentários sexuais ou que alguém da chefia se valha de sua posição para pretender ter encontros íntimos. Para isso, é necessário orientar os colaboradores sobre o que é assédio e que tipos de atitudes não são aceitáveis. Também é preciso igualdade de oportunidades, pagar a mesma remuneração a mulheres quando o trabalho é o mesmo dos homens, além de retirar as barreiras que as afastam de cargos de chefia. Quanto mais mulheres em posições de decisão, menos serão vistas como incapazes, nervosas ou frágeis.
Como as mulheres podem se proteger de assédio, e como agir ao ser vitimizada?
O assédio é caracterizado quando uma pessoa em posição de chefia constrange alguém para obter vantagem sexual. Ou seja, só em dizer “vou te dar uma promoção se você jantar comigo”, já há crime. Diante da violência, o caminho é procurar uma delegacia especializada ou um advogado que possa acompanhá-la. Também é possível mover uma ação trabalhista por eventuais danos relacionados com a relação de trabalho. Isso também vale para os crimes de violência psicológica — o constrangimento, ridicularização e humilhação — e de importunação sexual, com toques libidinosos não consentidos. Um comentário como “você está bonita” não é crime, mas aqueles constantes, que levam à mudança no modo de se vestir ou ao medo de encontrar um colega, são. Há mulheres com depressão e ansiedade, porque sabem que serão cercadas e criticadas somente pelo fato de serem mulheres.
O sindicato dos bancários oferece assistência jurídica às vítimas de violência. Qual a importância desse serviço para as vítimas?
O projeto “Basta, não irão nos calar” dá às bancárias um canal de acolhimento em que podem decidir que medidas judiciais querem ou não tomar. Esses espaços são fundamentais: muitas vezes, as denúncias não são feitas pela dificuldade de encontrar um ambiente adequado. É importante lembrar que essa é uma luta coletiva, e não de somente pessoas isoladas. Entidades estão mobilizadas, mostrando que a mulher não está sozinha.
Como a sociedade pode acolher melhor as mulheres?
Vivemos em um mundo onde homens acham que podem nos controlar. Essa normalização faz com que muitas vezes as mulheres sequer saibam que estão sendo vítimas de crime, e só entendam que estão sofrendo violência muito depois. E quando ela finalmente procura a autoridade policial, ainda ouve “por que demorou para denunciar?”. Criar novos tipos penais tem sido um movimento de legisladores e é importante para preencher algumas lacunas na proteção à mulher. Mas só isso não basta: precisamos buscar mudanças sociais e culturais pela qual as mulheres se tornem donas de seus corpos. Por que homens não agridem seus chefes, mas sim suas companheiras? Porque se sentem donos delas.
(*Entrevista publicada no Jornal O Dia. Leia aqui.)